Uma denúncia feita no VHS
Vitória se baseia em uma história real que muitos brasileiros desconhecem. Eu, moradora do sul do Brasil, confesso que não a conhecia antes de assistir ao filme. O roteiro de Paula Fiúza adapta o livro de 2006 reeditado em 2023, Dona Vitória Joana da Paz, de Fábio Gusmão, com uma abordagem direta, realista e comovente. A trama acompanha Dona Nina (representada por nosso ícone maior Fernanda Montenegro), uma aposentada comum de Copacabana que, cansada da impunidade, resolve filmar tudo que acontece bem em frente a janela de sua sala: tráfico, extorsão, conivência policial, violência explicita aliciação de menores para uso e venda de drogas.
Com a ajuda do jornalista Fabio Gusmão (Alan Rocha), o material vira denúncia, chega à imprensa e à polícia e desencadeia uma investigação real que culmina na prisão de dezenas de envolvidos. Só que o preço da coragem é alto para dona Nina — e o filme mergulha justamente nessa tensão entre moral, empatia, sobrevivência e exposição pessoal.
Fernanda Montenegro é um filme em si
Aos 95 anos, a maravilhosa Fernanda Montenegro nos entrega uma atuação contida, densa e precisa — como se cada palavra pesasse o suficiente para não desperdiçar nada e cada olhar tivesse a força de um gesto intenso. Sua Dona Nina carrega não só uma câmera, mas também a memória de um país que assiste à violência cotidiana com uma naturalidade dolorosa. A naturalidade de quem já banaliza atos atrozes por questões de sobrevivência e (relativa) sanidade mental.
A personagem real, Joana Zeferino da Paz, era negra, mas foi a própria Dona Vitória quem pediu que Fernanda Montenegro a interpretasse antes de partir para outro mundo em 2023. Mesmo assim, essa decisão não passou batida por críticos e redes sociais que questionaram a escolha de uma mulher branca para o papel.
Direção entre o realismo e a reverência
As filmagens de Dona Vitória – título original no início da produção – começaram em 2022 sob o comando do diretor Breno Silveira (Entre Irmãs, 2017) na cidade de Vicência, Pernambuco. Após se recuperar da Covid, o diretor de apenas 58 anos sofreu um infarto fulminante. Após uma pausa, as filmagens foram retomadas pelo diretor e marido de Fernanda Torres, Andrucha Waddington.
A direção de Waddington é cuidadosa, com clima de tensão crescente, ainda que sem grandes ousadias e com um ritmo mais lento – muito disso em respeito e reverência ao talento e à idade avançada de Montenegro.
FM STARS, MÚSICA, NOTÍCIA E SAUDADE