O Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta segunda-feira (9) a ouvir os réus do chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. No primeiro dia de depoimentos, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid confirmou a existência de um plano golpista e afirmou que Jair Bolsonaro leu e alterou a minuta do golpe.

Já o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) negou que tenha enviado informações ao ex-presidente ou usado a Abin para monitorar autoridades.

Mesmo diante das acusações, o clima entre eles foi de cordialidade. Cid cumprimentou Bolsonaro, abraçou Anderson Torres e bateu continência para os generais — nenhum dos acusados se mostrou hostil durante os interrogatórios.

O tom ameno se manteve até o fim da sessão. Após mais de 20 horas de audiência, o advogado de Augusto Heleno pediu que o interrogatório do general fosse adiado para permitir que ele jantasse. Moraes respondeu com ironia, dizendo que o general ainda teria tempo, ao longo da semana, para "um belo brunch".

O primeiro reencontro dos réus foi marcado por um clima de cordialidade, inclusive entre o delator Mauro Cid e figuras que ele próprio implicou nas investigações, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Anderson Torres.

Essa foi a primeira vez que todos os acusados da trama golpista estiveram frente a frente — e diante do relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes. Até então, Moraes havia proibido qualquer comunicação entre eles.

Para evitar assédio da imprensa, o STF montou um esquema especial de segurança e os réus acessaram o prédio por uma entrada reservada.

O primeiro a chegar foi o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Em seguida, Bolsonaro, que cumprimentou o general com um tapa nas costas e, logo depois, foi até o banheiro dizendo estar tranquilo para o interrogatório. Bolsonaro também cumprimentou Mauro Cid e conversou com seus advogados.

Cid, por sua vez, trocou abraço e aperto de mão com Anderson Torres. Com os generais Paulo Sérgio e Augusto Heleno, ele bateu continência. Nenhum dos militares estava fardado. Durante sua fala, Cid permaneceu lado a lado com os demais réus. Bolsonaro fez anotações em um papel e trocou palavras com os advogados enquanto o ex-ajudante de ordens falava.

Cid: 'Presenciei grande parte dos fatos'

Primeiro a depor, Mauro Cid reafirmou as declarações de sua delação premiada. Disse que a acusação da PGR é verdadeira e que “presenciou grande parte dos fatos, mas não participou deles”. Ele confirmou que Bolsonaro teve acesso a uma minuta com previsão de prisão de autoridades e a criação de uma nova eleição. Segundo Cid, o então presidente leu o documento e fez alterações:

“Ele enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso.”

O militar também afirmou que, mesmo sem convocar pessoalmente os manifestantes que acamparam em frente a quartéis do Exército, Bolsonaro resistia a pedir que fossem embora:

“Não fui eu que chamei, não sou eu que vou mandar embora”, teria dito Bolsonaro, segundo Cid.

Dinheiro repassado a pedido de Braga Netto

Cid confirmou que entregou uma caixa de vinho com dinheiro vivo ao major Rafael de Oliveira, integrante do grupo militar conhecido como “kids pretos”. Segundo o delator, o recurso foi repassado a pedido do general Walter Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022.

Cid afirmou que recebeu o dinheiro diretamente de Braga Netto no Palácio da Alvorada. "Estava em uma caixa de vinho, uma botelha. Depois, se bobear no mesmo dia, eu passei para o major de Oliveira", declarou. Segundo ele, o valor não chegava a R$ 100 mil, “pelo volume”, mas não soube especificar a quantia exata.

Questionado por Alexandre de Moraes, relator do processo, Cid explicou que antes de receber o dinheiro, procurou Braga Netto para saber se o PL poderia ajudar financeiramente os acampamentos bolsonaristas montados em frente a quartéis. O tesoureiro do partido recusou o pedido, mas, em seguida, Braga Netto apareceu com o montante. Cid disse que a verba teria vindo de “pessoal do agronegócio”.

Ainda no depoimento, Cid apontou Braga Netto como o elo entre Jair Bolsonaro e os manifestantes acampados. Segundo ele, o ex-presidente estava recluso após a derrota eleitoral e cabia ao general levar informações da militância até Bolsonaro. Parte desses manifestantes viria a participar dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Ramagem: 'Anotações eram privadas'

Em seguida, o deputado Alexandre Ramagem foi interrogado. Ele negou ter cometido qualquer crime e disse que documentos apreendidos com ele, que mencionam supostas fraudes nas eleições, eram de uso privado.

Ao ser questionado sobre um arquivo que apontava vitória de Bolsonaro na eleição, Ramagem afirmou que o conteúdo não foi repassado ao então presidente e explicou que escreve em forma de diálogo, mas isso “não significa que tenha conversado com ele”.

Também negou ter usado a Abin para monitorar autoridades:

“Nunca utilizei monitoramento algum pela Abin de qualquer autoridade.”

Sobre o uso do sistema FirstMile, disse que a compra foi feita na gestão Temer e tinha parecer jurídico da AGU. Afirmou ainda que optou por não renovar o contrato. Segundo Ramagem, se houve Abin paralela, ela “é de servidores ou oficiais, não de auditores”.

Memes com Moraes

o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que o ministro Alexandre de Moraes foi alvo de críticas, xingamentos e até figurinhas e memes compartilhados em uma reunião com militares das Forças Especiais, conhecidos como "kids pretos". O grupo é suspeito de planejar ações contra autoridades em meio à trama golpista.

A revelação ocorreu após questionamento do advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, que pediu detalhes sobre um encontro de Cid com os militares. Moraes aproveitou a deixa para perguntar diretamente: "Foi conversado algo sobre o meu nome nessa reunião?"

"Sim, senhor. O senhor foi muito criticado", respondeu Cid, provocando risos constrangidos entre os presentes. Moraes reagiu com ironia: "Estou acostumado já."

Moraes ironiza pedido para adiamento

No fim da sessão, o advogado de Augusto Heleno pediu que o depoimento do general, previsto para as 9h da manhã seguinte, fosse adiado:

“Estamos há 20 horas aqui. Tenho que levar o general para casa e eu mesmo gostaria de jantar, excelência. Só tomei café da manhã.”

O ministro Alexandre de Moraes reagiu com ironia:

“Vamos ver se terminamos amanhã. O senhor ainda tem a quarta-feira para um belo brunch, quinta é o Dia dos Namorados, e sexta tem Santo Antônio. O senhor comemora também em quermesse?”

O plenário riu, mas a sessão foi mantida no horário.

Quem mais será ouvido

Além de Cid, Ramagem e Heleno, também devem depor no STF nesta semana:

Jair Bolsonaro, ex-presidente
Walter Braga Netto, general e ex-ministro de Bolsonaro
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa

Todos foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República por cinco crimes, incluindo golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito e organização criminosa.

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